segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Só o rock nos une


Mesmo que poucos tenham conseguido ler a matéria, muita gente reagiu à capa da Exame sobre aposentadoria, que traz a foto do Mick Jagger e diz que temos em comum com ele o fato de que vamos trabalhar até a velhice. Segundo a revista “preparando-se para isso, vai ser ótimo”. Resolvi conferir e até que a matéria é menos ufanista do que parece.  
Com a compra do exemplar, agora estou R$ 18,00 mais longe da minha aposentadoria. O preço da revista já mostra que ela se dirige e dialoga com um público seleto, que tem condições de ao menos tentar fazer o tão propalado planejamento de longo prazo que consultores apresentam na TV. Por em prática a tal poupança milionária para o futuro não é uma possibilidade para todos. Imagine uma família com renda de R$ 2000,00, numa cidade como Porto Alegre, em que o aluguel de um JK num bairro periférico (e nada charmoso) custa R$ 400,00, o litro do leite R$ 2,50 e a passagem de ônibus R$ 3,75. Por mais espartana que essa família seja, basta alguém ficar doente ou perder o emprego para atrapalhar o plano de longo prazo. Aqui, os Rolling Stones deveriam mudar a letra da música para “time isn’t on their side”.
A matéria da Exame menciona essas diferenças e traz o contraponto de que trabalhar depois dos 65 anos não é para qualquer um. São levantados problemas como as tarefas envolverem esforço físico, exigirem viagens constantes e o fato de que em período de crise é comum as empresas preferirem contratar o empregado mais barato e não aquele com mais conhecimento e experiência. Uma coisa é ser um grande executivo, muito renomado e ir pedir estágio no Google aos cinquenta anos e se reinventar, exemplo citado na matéria da Exame. Eu não sei se um aluno meu ganharia a bolsa de R$ 5000,00 (sim, cinco mil reais!) que a empresa pagou para esse estagiário. Talvez fazendo simpatia com o diabo consiga.

A parte que mais me intrigou na reportagem foi a proposta apresentada por uma das fontes de flexibilizar a CLT para permitir que a empresa ofereça a estes funcionários mais velhos rotinas flexíveis, em que a pessoa não precisa trabalhar todo dia “das 9h as 18h” (palavras da revista). Eu fiquei me perguntando: precisa alterar a CLT para isso? Como é então que a gente assina a carteira de diarista, que não cumpre esse expediente rígido? (alô, advogados trabalhistas!). A discussão da reforma trabalhista não deveria vir misturada com o discurso da crise da previdência, sem questionamentos sobre seus efeitos. Podem escrever: desonerar a folha de pagamento não fará automaticamente esses valores se reverterem em salários maiores.
A situação da maioria da população brasileira é bem distinta da vida de um rock star como Mick Jagger. Ele escolheu o que queria fazer. A massa não tem profissão: tem um trabalho, que não necessariamente é o que sonhava ter. O refrão “I can’t get no satisfaction” caberia muito bem aqui. Mick Jagger ganhou dinheiro suficiente para fazer novas escolhas, se quisesse desistir da música. Quem tem compromisso com aluguel/prestação por 30 anos e família para manter, com um salário que mal cobre as contas, não canta “I’m free to do what I want any old time”: tem na mente a frase “You can’t always get what you want”.
Jagger tem um personal trainer para se preparar fisicamente para os shows. O brasileiro médio mora longe do trabalho, passa horas no trânsito e torce para não ficar doente. Quando precisa atendimento, enfrenta longas filas, mesmo que tenha um plano de saúde privado. “Let’s spend the night together, now I need you more than ever” daria uma boa trilha para uma emergência lotada.

Após ler a Exame, o que posso dizer que tenho em comum com Mick Jagger? Talvez só o rock. 

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