quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Odisseia - o que aprendi com meu pai

Pela segunda vez na vida, me encontrei com meu pai num hospital. Só que desta vez, 36 anos depois, é ele quem está internado. Larguei trabalho(s), ginástica, amigos e embarquei para uma longa viagem de quatro horas até Santa Maria. Na mochila, umas peças de roupas, alguns documentos (para lidar com a onipresente burocracia) e a Odisseia, de Homero. Essa era a história que eu mais gostava que ele me contasse quando criança: as aventuras de Ulisses (também chamado de Odisseu), que passou anos tentando voltar para casa, lutando contra a ira de deuses, os feitiços de Circe e o canto das sereias. Quando eu cresci e tentei ler o livro pela primeira vez, achei uma porcaria, porque meu pai contava a história muito melhor! 
Abrir as páginas da Odisseia de novo foi uma espécie de volta no tempo, de lembrar as coisas que aprendi com o meu pai. Foi a chance de pensar "e se ele não volta? qual terá sido a última coisa que fizemos juntos?" e ver que muita coisa fica. Aprendi com ele que a riqueza a qualquer custo não vale a pena, que os irmãos deviam ficar sempre juntos, que estudar é a melhor coisa do mundo (porque ninguém te tira)... 
Minha infância teve personagens que poucos amigos conheceram: Rasputin (que enganou a morte várias vezes), Lênin, Trotsky, Stálin (que deturpou a Revolução Bolchevique) e Yuri Gagárin. Resultado: um desejo enorme de aprender russo que eu só realizei muitos anos mais tarde. 
Teve também muita história sobre a Segunda Guerra Mundial, kamikases e Hitler, com direito a imitações do Chaplin em O Grande Ditador. E não é que anos mais tarde essa pessoinha foi fazer especialização e mestrado em Relações Internacionais? 
Eu teria muitos outros exemplos pra dizer como ele marcou minha vida, tanto que quando me perguntam se eu penso em ser mãe respondo: "para dar para a criança um pai ruim? se for pra isso, não". Meu padrão de comparação ficou alto (e não estou falando de nível intelectual, mas de envolvimento e presença). 
Nesses últimos dias eu me confrontei com a ideia de que talvez meu pai entrasse na barca de Caronte, aquele personagem mitológico que leva as pessoas ao inferno, numa viagem só de ida. Meu pai disse que também pensou que era a hora dele quando me viu correr pro hospital. Recitou até um "testamento" dizendo com quem os livros dele deveriam ficar. Foi a unica riqueza material de que ele falou nessa hora, possivelmente por ser a única que ele ache que importa.
Na minha história, assim como na Odisseia, os deuses concluíram que não seria justo impedir alguém com tantas virtudes de voltar pra casa. Ganhamos tempo para escrever mais alguns capítulos juntos. 

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